
Uma das principais críticas dos posseiros de Gerais de Balsas, região a 300km do centro da cidade, é a falta de apoio para enfrentar esse tipo de situação.
Os conflitos agrários no Cerrado são alimentados pela lentidão do Judiciário, por autorizações do Estado para desmatar áreas ainda em disputa, além da dificuldade no acesso à Justiça por parte de povos e comunidades tradicionais. Esses são alguns dos fatores apontados por agricultores familiares, especialistas e um juiz agrário do estado com mais disputas por terra no país: o Maranhão.

A Agência Brasil foi até Balsas (MA), um dos epicentros do agronegócio e segundo município que mais desmata no país, e encontrou agricultores familiares ameaçados, pulverização aérea de agrotóxico, assédio financeiro e juízes que detalham o tamanho do desafio de atuar na área.
Essa é a quarta reportagem da série especial Fronteira Cerrado, que investiga como o desmatamento, atrelado ao avanço do agro, pode afetar as águas do bioma e os recursos hídricos do país.
Agricultores sem recursos para advogado
Uma das principais críticas dos posseiros de Gerais de Balsas, região a 300km do centro da cidade, é a falta de apoio para enfrentar esse tipo de situação. Sem recursos para contratar advogado, dependem da Defensoria Pública ou de advogados populares. Os locais de difícil acesso onde vivem essas comunidades contribuem para prejudicar o acesso às instituições do Estado.
A presidente da Associação Camponesa do Maranhão (ACA), Francisca Vieira Paz, viaja o sul do estado prestando suporte a comunidades e povos tradicionais que enfrentam conflitos agrários na região.
“O Estado é omisso. Nós temos casos extremos em que essas pessoas perdem a vida, mas a violência no campo não é combatida. Hoje, os movimentos sociais e pastorais sociais são a última barreira de proteção desses povos que defendem o pouco que ainda existe do bioma Cerrado”.
Francisca acrescenta que o Judiciário não dá resposta no tempo preciso e, enquanto isso, a soja, o milho, o algodão ou o gado avançam sobre os territórios em disputa.
O Maranhão é, ao lado do Pará, o estado com mais conflitos agrários do país, de acordo com monitoramento feito nacionalmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). De acordo com o governo estadual, disputas fundiárias foram elencadas como uma das prioridades do atual mandato. Os detalhes estão publicados na reportagem que conta as ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais de Balsas.
Desmatamento autorizado de áreas em disputa
Ao procurar o Tribunal de Justiça do estado do Maranhão, a reportagem foi prontamente atendida pelo juiz Delvan Tavares, titular da Vara Agrária de Imperatriz, segunda maior comarca do estado, responsável por mediar conflitos fundiários de natureza coletiva.
Delvan contou que a Vara Agrária de Imperatriz foi criada no final de 2024 com jurisdição sobre cerca de 70 municípios no Sul e Sudeste do estado, incluindo Balsas. Antes, todos esses casos eram concentrados na comarca de São Luís.
O magistrado explicou que, geralmente, os conflitos começam porque um produtor rural compra uma área e começa a desmatar o Cerrado em áreas requeridas por comunidades tradicionais.
“Aquelas comunidades, que se dizem possuidoras também daquela área, ingressam com ações esperando um resultado. De fato, há uma certa morosidade. Muitas vezes o juiz de primeiro grau concedeu uma liminar, uma reintegração de posse. Outras vezes não. Às vezes, aquela medida que foi deferida é revogada pelo tribunal”, reconheceu.
O juiz da Vara Agrária de Imperatriz diz que, desde que assumiu o posto, tenta diminuir o tempo dos processos por meio das inspeções judiciais nos locais em disputa, atividade que, segundo ele, é fundamental para tomada de decisão.
“De janeiro para cá, eu já fiz mais de 20 inspeções em diferentes municípios do estado, principalmente nessa região que tem um avanço considerável do cultivo de soja”, enumera.
Porém, para o magistrado, o problema maior são as autorizações de supressão de vegetação emitidas sem que esteja pacificado quem tem o direito ao uso daquela terra, se comunidades e povos tradicionais, ou os produtores rurais.
“Compreendo que essa crise, esse fenômeno, está muito mais relacionado a autorizações indiscriminadas de órgãos de proteção ambiental do que propriamente da morosidade da Justiça. Porque essas pessoas, grileiras ou não, proprietários legítimos ou não, elas, para devastarem essas áreas, normalmente contam com autorização dos órgãos de proteção ambiental”.
Em entrevista à Agência Brasil, detalhada em outra reportagem da série especial Fronteira Cerrado, o secretário do Meio Ambiente do Maranhão, Pedro Chagas, sustentou que todas as autorizações são emitidas seguindo a legislação e de forma técnica.
Fragilidades cartoriais facilitam grilagem
A dificuldade para verificar a veracidade e a consistência dos documentos cartoriais também ajuda a explicar a situação de conflitos, conforme reconheceu o juiz da Vara Agrária Delvan Tavares. “Não é fácil identificar. Até porque os cartórios não têm, vamos dizer, um registro altamente confiável. Isso vai gerando inconsistências”, comenta.
Tavares citou o caso de uma área grilada que, com financiamento de banco oficial, desmatou cerca de 600 hectares de Cerrado, chegando nos quintais das residências de comunidade tradicional composta por 200 famílias.
“O sujeito comprou 400 hectares de outra pessoa com três matrículas da mesma área registradas no cartório. Ele reuniu essas matrículas, unificou e transformou em outra matrícula. Ao fazer isso, o que eram 400 hectares se transformaram em 900 hectares”, relatou.
Ou seja, com essas ações cartoriais, uma pessoa conseguiu grilar, no papel, 500 hectares de terra. “Logo em seguida, ele consegue uma autorização de supressão de vegetação, um financiamento de um banco oficial e destrói uma parte significativa do Cerrado”, completou.
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